Gosto de chegar a casa e descalçar os sapatos e tirar a roupa, ligar a aparelhagem ou a televisão num qualquer canal de música clássica. Depois aterro o corpo no meu espaço que é talhado de mim para mim, saboreando cada rasgo de luz que ainda entra pelas janelas, cada som que vem das paredes, do tecto ou do chão, cheiro o resto das manhãs que ficaram ali abandonados.
É o meu espaço, onde me sinto capaz de voar sem de lá sair. O vazio da calma e da tranquilidade a sensação de um refúgio que se quer secreto, num silêncio dos inocentes. É onde me sinto capaz de ficar dias sem espreitar a vila, é aquele canto onde me lembro do colo e onde revivo em cada minuto de tudo o que há de bom para deixar, por isso chamo a esse espaço de meu, mesmo que seja um infinito qualquer sem morada ou coordenadas GPS. Esse lugar mora em mim e arrasta-se comigo em cada gesto do que não faço, fronteira do tudo e do nada, em que nos questionamos, qual a nuvem que queremos, brincando com os pormenores como um jogo de adivinhas. Um espaço reestruturado a medida do prazer, genuíno, singular e cativante, onde se sente o toque de uma simplicidade que conquista o degustar, enquanto se procura a linha de um horizonte infinito. O que faz um oásis ser o que é? A imensidão de um chão e de um céu?
Um fragmento que se quer único, perfeito, esse lugar existe e é o meu espaço, o meu quarto, é o meu mundo. Feito de conforto e magia onde podemos desaguar tudo o quanto nos atormenta, com momentos de pausa que acolhem os desejos mais escondidos, aqueles que são só nossos, a janela aberta ao infinito é a lufada de sol que gostamos de desafiar. Fica lá no fim de quase tudo, cheio de quase nada do que possa desviar o sopro da perfeição, e é assim o meu espaço perdido no tempo. Dobra-se e redobra-se, corta-se e recorta-se, assim é a brincadeira entre a terra e o céu, lembra esquecido daquele que apenas as imagens satélite nos podem revelar, numa viagem ao nosso interior onde cada canto faz parte desse circuito que é a imensidão dos nossos sonhos. Diluem-se as noites em mistério, as estrelas estão lá para nos avisar que o caminho é o que quisermos que seja, onde traçamos trilhos do desconhecido a bordo de uma canoa que paira num mar de incertezas. Descobrimos a grandeza da pequenez do que somos, e, depois vem a vontade de espreguiçar sentimentos perdidos neste espaço com atmosfera étnica, é uma verdadeira pista de aterragem ao prazer. Espaço protegido com uma espécie de véu daqueles que tapam e mostram, desnuda o que apenas o imaginário vê quando os olhos fecham, num convite à janela do infinito numa cesta cheia de sabores. «Sentir tudo de todas as maneiras. Viver tudo de todos os lados. Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo. Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos. Num só momento difuso, profuso, complexo e longínquo.» a poesia é de Pessoa mas traduz o meu espaço, como alma de viajante num espírito de contador de histórias de monstros e ratinhos do musgo, num recordar de passagens por outras vidas, a memoria de ter sido Profeta, herói, guerreiro, ou monge um tudo que se sente em momentos, um nada que se descobre, inexplicavelmente em encontros a dois e a sós na cor de uma magia! Ligado a feitiçaria e à poderes mágicos, de onde se observa imóvel o que acontece em todas as direcções, disfarçando-se no meio em que o envolve, porque tudo a sua volta se pinta de cor e tem forma de fantasia num momento único, gravado na essência e na memória desta vida como um salto para o infinito que nos inspira a calma. Inquieta o vazio sempre cheio de nada como uma pincelada num quadro sem limites para sonhar, onde apetece saltar sem sair do lugar, para aterrar em lugar nenhum permanecendo à espera de um sopro qualquer que nos faça levitar, tal qual o olhar de Mona lisa de qualquer lado observada ela olha para nós. Numa inexistência do certo, o fascínio de poder fazer do tempo o que nos apetecer, em doses de cinco sentidos. Quem nunca se imaginou num retiro de tempo? A clausura de nós mesmos num casulo feito de tudo e de nada, com um caminho de perfume! São o convite para o ócio, daquele ócio que nos leva sempre para mais longe e o que nos faz ver o que até ai não vimos numa fotografia que a alma tira, num mergulho de um oceano de perfeição.
Sem comentários:
Enviar um comentário